Para ouvir: Farol - Supercombo
Desligou o celular com um aceno de cabeça e ficou parada.Não
tinha o que falar,não tinha vontade de falar,não tinha força pra falar.Ela
sabia que não era um bom sinal: gritava e chorava todos os dias para salvar
esse relacionamento havia séculos.Bem, anos, para falar a verdade.Mas agora simplesmente
não tinha... vida.Enquanto gritava e chorava, tudo bem, mas quando ela sentia
vontade de ficar quieta, é que algo estava errado.Muito errado.
Ele até era uma cara legal, era engraçado, até certo ponto
atencioso, gostava das suas músicas e tinha assunto com seu pai nos almoços de família
(que eram raros).Estavam juntos a alguns anos, os últimos deles simplesmente
infernais.Ela sentia falta daquele sorriso bobo no rosto, do frio na barriga,
da paixão, das transas mais de uma vez por dia, das bocas que não conseguem se
desgrudar, das mensagens melosas; mais isso acabara lá para o segundo ano de
namoro.A rotina trouxe na bagagem um apartamento dividido, e esse apartamento
trouxe nos armários as brigas.As maiores, piores e as mais sem sentido
também.As brigas vieram e foram embora em fases e o apartamento foi divido na
mesma frequência: quando a coisa ficava muito feia, ela sabia que aqueles 3 cômodos
na principal avenida da cidade estariam ali, esperando por ela com a mesma vizinhança barulhenta e o mesmo
cheiro de cebola frita que vinha do restaurante da frente.Quando voltava para lá
,a paz voltava junto.Porém, alguns dias depois, o telefone voltava a tocar, a
campainha voltava a tocar e em pouco tempo o taxi que levaria suas malas de
volta ao apartamento dividido também.E com essa rotina, as brigam voltavam com
força total.
No começo eram por que não tinha açúcar, porque a marca do
papel higiênico estava errada ou ainda pela famosa toalha molhada na cama. Depois,
passaram a ser por manias : a mania dela de ler antes de dormir, a mania dele
de cortar as unhas na mesa de centro da sala, a mania dela de tomar café preto
no café da manha, a mania dele de comprar aromatizante para o carro.As manias passaram
a irritar um ao outro.O que antes era bonitinho,a convivência transformou em
insuportável.
Chegaram a decidir que não dava.Que eles se amavam mas não
davam certos juntos,okay, paciência, quer que eu ajude com a mala?, a gente se
vê, beijo na testa.Mas na primeira noite de cobertor frio, eles ligavam um para
o outro falando da saudade e se encontravam.E logo desistiam da decisão.
Passaram anos assim. Uns piores, outros melhores, alguns com
alguma esperança, outros com nenhuma.As vezes, conheciam outras pessoas mas
nenhuma era tão legal quanto ela, nenhum era tão engraçado quanto ele, nenhum
tinha o cheiro tão bom quanto.Por isso,sempre acabavam voltando para a mesma
cama do apartamento dividido.
A ultima briga, na sexta, foi a mais leve.Não foi bem uma
briga, na verdade, foi mais uma reclamação que levou um silencio
contemplativo.Enquanto ele dormia, ela colocou umas mudas de roupas dentro da
bolsa e voltou para o seu apartamento.Voltou feliz, pela primeira vez.Se
sentindo bem.Sentia que simplesmente não dava, que simplesmente tinha acabado.
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